Era uma vez um reino chamado Tão Tão Perto. Não se trata, portanto, de um reino governado por ogros simpáticos e humanos detestáveis. Claro! tem lá suas diferenças em relação aos reinos normais. Nele, como sempre acontece, tinha (ou tem?) um rei e uma rainha, mas, diferentemente do que se imagina no senso comum dos humanos detestáveis, eles se davam tão bem que até pareciam um casal de plebeus.
Lá no reino do Tão Tão Perto, rei e rainha dormiam e ficavam acordados nos mesmos aposentos, se divertiam com bastante frequência e as damas de companhia gostavam de ficar com os ouvidos grudados na porta, para ouvi-la gemer e falar alguns palavrões enquanto atingia o orgasmo.
Certo dia, no entanto, enquanto ela tomava seu banho matinal, e o Rei escutava-a cantar como de costume, as palavras cantadas obrigaram-no a fechar involuntariamente o semblante e mostrar-se preocupado com o que ouvia.
Em meio ao barulho do jato d’água ela cantava, afinada e melodiosamente:
Hoje eu sonhei contigo
Tanta desdita, amor
Nem te digo
Tanto castigo
Que eu tava aflita de te contar
Foi um sonho medonho
Desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha
E se urina toda
E quer sufocar
Nossa! que se será que tinha acontecido??? Por que aquela música assim, sem mais nem menos, iniciando aquela manhã?
Meu amor
Vi chegando um trem do candango
Formando um bando
Mas que era um bando de orangotango
Pra te pegar
Vinha nego humilhado
Vinha morto-vivo
Vinha flagelado
De tudo que é lado
Vinha um bom motivo
Pra te esfolar
A cada estrofe o Rei arregalava os olhos e rapidamente, computador portátil em punho, procurou informações sobre aquela música que, martelando seus ouvidos, prenunciava uma profunda crise conjugal.
Quanto mais tu corria
Mais tu ficava
Mais atolava
Mais te sujava
Amor, tu fedia
Empestava o ar
Tu, que foi tão valente
Chorou pra gente
Pediu piedade
E olha que maldade
Me deu vontade
De gargalhar
Computador ligado, internet conectada, google disponibilizado e o Rei, rapidamente, digitou um ou dois versos daquela que poderia ser a música final de seu já longo e feliz casamento e, certamente, a expressão mais acabada de que se iniciava uma terrível crise em seu pacífico reino.
Ao pé da ribanceira
Acabou-se a liça
E escarrei-te inteira
A tua carniça
E tinha justiça
Nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça
Descemo a ripa
Viramo as tripa
Comemo os ovo
Ai, e aquele povo
Pôs-se a cantar
Enquanto a cantoria continuava o semblante do Rei se desanuviava, um sorriso malicioso tomou conta de seus lábios, achou que estava tendo uma espécie de ereção não muito comum àquela hora do dia e, tirando o pijama, foi sorrateiramente entrando no banheiro…
Foi um sonho medonho
Desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha
E se urina toda
E já não tem paz
Pois eu sonhei contigo
E caí da cama
Ai, amor, não briga
Ai, diz que me ama
E eu não sonho mais
A rainha, surpresa com aquela fogosidade matinal, depois de gemer escandalosamente e reiniciar seu banho, olhou para ele e perguntou: de onde vem tanta energia logo cedo?
Do seu cantar, respondeu o Rei.
A rainha mostrou-se curiosa e, duvidando do marido como somente as esposas podem fazer, deu a ordem fatal: explique-se!!!
Ele, pacientemente, como um bom marido, respondeu:
Primeiro, ter uma rainha que conheça Chico Buarque é se casar com alguém que gosta de boa música;
Segundo, ouvir ela cantando uma música que foi tema do filme República dos Cafajestes, me faz lembrar que Tão Tão Perto é um reino e, portanto, você não estava cantando e pensando em mim;
E terceiro, o que me fez vir aqui e te bolinar, foi imaginar o que aconteceria se a esposa do atual presidente golpista do Brasil cantasse isso para ele… Não haveria engano quanto às intenções dela, não é mesmo?
A Rainha sorriu e beijou o marido na bochecha, soltando aquela frase venenosa que só as mulheres conseguem: ela nunca ouviu falar de Chico Buarque….
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