segunda-feira, 3 de junho de 2019

Território: em busca de um conceito

Em relação às três categorias que compõem a construção do discurso geográfico (paisagem, território e região), é importante considerar que possuem conceitos diferentes e interdeterminantes.  A primeira delas está associada à dimensão da aparência e, portanto, ao processo de percepção das formas do mundo pelo sujeito. Tal percepção é, por sua vez, a imediatidade, isto é, a condição que cada um de nós possui, tendo como referência os saberes já construídos e passíveis de se acessar imediatamente, de reconhecer as formas do mundo utilizando de nossos sentidos. A possibilidade do sujeito de reconhecer a distribuição das formas percebidas (tamanho, distância, interrelação) é o que permite que seu pensar sobre o mundo ultrapasse o limite da imediatidade (aparência) e chegue à condição do reconhecimento mediatizado, pensado. Este concreto pensado é o Território. 
Para evitar maiores confusões vale considerar que o território do poder é, de fato, uma região, isto é, o território tematicamente recortado. O Brasil, por exemplo, possui um território, mas o discurso que faço sobre ele e que tem a existência do Estado Nacional enquanto territorialidade (País) como pressuposto é, de fato, o reconhecimento de que Brasil é uma região cuja identidade está na existência de um Estado Nacional específico. Por fim fica a mesma indicação já feita em relação às categorias anteriores: território não é uma coisa, mas o reconhecimento de que o ecúmeno humano possui formas e que é dessa percepção  que se ordena a dimensão topológica que possui (co-habitação), é a indicação da existência de uma ordem que define os diferentes processos que compõem a realidade empírica. 

domingo, 2 de junho de 2019

Há vida inteligente no comando do palácio do planalto???

 Para os tempos de hoje a resposta a essa pergunta pode ser crucial para a análise da política de Estado no Brasil, na identificação de seus sujeitos, no reconhecimento das cartas que estão sobre a mesa e, nesse contexto, daquelas que se encontram escondidas e cuja ordem desconhecemos. 
Confesso, com certa alegria, que essa tentativa de reflexão me foi provocada por um artigo que li na internet, estava disponibilizado no twiter dos Jornalistas Livres e foi escrito por Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia e pode ser encontrado emhttps://jornalistaslivres.org/o-bolsonarismo-radicalizou-o-lugar-da-fala/
Vejamos alguns fundamentos de caráter metodológico para que possamos reduzir a inelutável ambiguidade da resposta. No passo a passo da reflexão, a primeira pergunta a se fazer é: o que entendemos por vida inteligente em um lugar determinado?
Considerando as pesquisas recentes que identificam um leque cada vez mais amplo de animais superiores capazes de construir cultura e, portanto, de mudarem de comportamento através da aprendizagem, vida inteligente pode ser encontrada em muito mais lugares que aqueles habitados por seres humanos. 
Uma resposta como essa nos coloca frente ao ridículo da pergunta inicial. Se inteligência é a expressão que nos permite identificar comportamentos associados à construção de culturas, então no Palácio do Planalto tem inteligência por trás do emaranhado de discursos e comportamentos considerados nonsenseou estúpidos ou… bem, não importam os adjetivos. Fiquemos no limite de identificar como comportamentos pouco inteligentes.
Vejamos: se a expressão “inteligente” está associada à capacidade de “interlegir” e, portanto, de “ler por dentro”, identificar relações que não são óbvias, reconhecer significados nas entrelinhas e assim por diante, a relação direta entre inteligência e construção de cultura fica um tanto quanto abalada. 
Acontece que “ler por dentro” implica, sempre, ler algo determinado, isto é, responder a um desafio, cujo controle não está nas mãos dos sujeitos desafiados e, portanto, inteligentes em determinadas situações podem se mostrar medíocres sob outras. Assim, podemos afirmar que não existe inteligência no geral, mas a expressão deve ser utilizada para identificar aqueles que respondem melhor a este ou a aquele desafio. Fico aqui imaginando a minha relação com os pincéis, com instrumentos agrícolas e com uma interminável lista de assuntos com os quais não tenho qualquer familiaridade. Não consigo tocar um instrumento musical sequer, nem mesmo uma flauta doce e, portanto, em relação à música me coloco na posição de um ouvinte mais ou menos medíocre (uso a mim mesmo como exemplo para evitar polêmicas desnecessárias)
 O segundo passo desse “procedimento metodológico” se aproxima mais do artigo de Oliveira, pois, imagino, se faz necessário questionar se, independentemente da inteligência dos sujeitos, o conhecimento é algo possível. Lembro sempre nesses momentos de um embate entre Henry Lefebvre e Cassirer. Enquanto o neo-kantiano escreve milhares de páginas sobre “O Problema do Conhecimento”, o marxista afirma que o conhecimento não é um problema, é um fato. Em um resumo forçado e feito de memória, diria que o conhecimento só se torna um problema quando se torna objeto de reflexão metafísica. O homem comum (Goldmann?) sabe que sabe, porque o resultado de seus atos estão conforme suas expectativas e reconhece que não sabe quando seus fazeres (incluindo aí os seus pensares) não dão conta de seus objetivos. Em linhas gerais, todo ceticismo em relação ao saber é um reconhecimento de que o saber existe.
É aí que, no meu entender, Oliveira mostra a genialidade de sua reflexão: ao apontar que, com interesses aparentemente tão díspares, certos militantes do movimento negro, outros do movimento indígena, feminista e por aí vai, possuem fundamentos epistemológicos que se associam aos bolsomínios e aos terraplanistas e pos aí vai….
Fica, portanto, a dúvida que intitula essa reflexão: há vida inteligente na cúpula do palácio do planalto? Se inteligência for algo genérico e metafísico, certamente que sim, se não é esse o caso e, portanto, ela estiver associada aos desafios assumidos pelos sujeitos… aí permanece a dúvida. Assumindo como pressuposto que não existe inteligência nem conhecimento genérico ou, como o poeta diria do amor, como verbo intransitivo, então vale perguntar se esse grupo que assumiu a política de Estado no Brasil tem inteligência e é capaz de produzir saberes associados diretamente a essa tarefa e, pelo que se tem visto, a resposta é pura e simplesmente não. Essa trupe nascida e crescida e educada para gestar relações de milicianos e enquanto milicianos, que sobreviveu na política no contexto de permanecer no baixo clero, tem governado (e sobre isso já refletiu Eliane Brum), mas isso não significa que saiba fazê-lo. Ao que parece a inteligência que possui não responde aos desafios colocados e, nessa condição, provavelmente não sobreviverá. 
Do ponto de vista dos inteligentes de Brasília (essas figuras existem), no roldão do movimento geral que deu na composição do atual governo, mantê-lo deve estar associado à inexistência de  alternativas à direita (uma eleição nesse momento, provavelmente colocaria o PT no poder). Assim, respondendo à pergunta inicial: as inteligências na cúpula dos três poderes estão dispersas, procurando algum ponto sobre o qual criar alianças tácitas e controlar a guerra entre grupos mafiosos que se articulou a partir do impedimento de Dilma Roussef. Essa guerra entregou o poder a um desses grupos, mas está longe do seu fim. Pactos de cessar fogo duram pouco e tendem a se tornar cada vez mais frágeis. Nesse momento se articula uma luta que não tem nem mesmo a direita ou a extrema direita como alvo. O que se objetiva, desesperadamente, é que um grupo de pessoas que possuam alguma inteligência para gerir o palácio do planalto e as cúpulas que se distribuem pela esplanada dos ministérios, venha em socorro do país. 
Que pena… empobrecemos até os nossos desejos, o que mostra que estamos sendo pouco inteligentes.