Abri a minha página de notícias na internet e me deparei com
mais uma manifestação pública contra o projeto identificado pela consigna de
“Escola sem Partido”. Que coisa mais irritante isso! Fazendo comentários com
amigos, especulei que uma proposta como essa, há não muitos anos, nem mesmo
seria digna de um sorriso insonso pois, de uma maneira ou de outra, não teria
qualquer repercussão.
Nos nossos dias, no entanto, temos tornado tudo isso muito
importante. Alguns manifestantes barulhentos conseguem retirar do plano
municipal de educação as referências aos dilemas sociais associados às noções
de gênero, outros saem às ruas pedindo o retorno dos militares, mais alguns se
acham no direito de afirmar que uma atriz, pelo simples fato de defender suas
ideias políticas se tornou uma prostituta (o que, a princípio, só pode ser um
xingamento para alguém duplamente preconceituoso). E assim seguimos...
Bom... considerando o amplo conjunto de debates, artigos,
manifestações e todos os tipos possíveis de protesto contra o projeto Escola
sem Partido, tenho sérias dúvidas de que poderei afirmar algo de novo sobre o
assunto. Escrevo, portanto, somente para “desopilar o fígado”.
Vejamos: se ainda podemos confiar nos fundamentos lógicos que
envolvem a nossa língua, quero crer que a ideia de “Escola sem Partido” é uma proposição que procura proibir a “Escola com Partido”. Muito bem... fica claro,
portanto, que não se trata de proibir as Escolas de Partidos, considerando que os partidos políticos (nem sei se
todos), devem ter suas escolas para a formação de seus militantes, mas o projeto
não faz referência a esse tipo de instituição.
Vale, então, fazer uma pergunta bem básica: existe Escola com
Partido?
Creio que teremos de discutir o significado de Partido para
que possamos construir algum tipo de resposta.
Vamos imaginar que estamos falando de uma escola católica.
Considerando que por ser católica ela não pertence a nenhum grupamento de
mórmons, anglicanos ou mesmo dos militantes da Igreja Universal do Reino de
Deus, podemos afirmar que, mesmo no campo do cristianismo, as escolas católicas
tomam um determinado partido, isto é, representam uma parte específica do
pensamento, uma determinada cosmologia. O mesmo poderíamos afirmar de qualquer escola
de qualquer outra profissão religiosa, seja cristã ou não. Assim, se pensarmos
que nenhum grupamento religioso representa a totalidade da sociedade, todos
são, a princípio, partes desse mesmo todo e, assim, poderíamos afirmar que uma
escola cristã é partidária em relação a outra que professe o judaísmo ou o
islamismo e assim por diante.
Acontece que, de qualquer maneira, o projeto também não faz
referência às escolar religiosas. Na verdade, tem por alvo as escolas no plano
de sua laicidade. O partido de que fala o projeto tem por objetivo identificar
os partidos políticos que disputam a máquina de Estado, ou posicionamentos
políticos de, de uma maneira ou de outra, incomodam o criador do projeto, isto
é: o pensamento genericamente identificado como “de esquerda”.
Vamos então às escolas verificar se existe alguma que seja
filiada a um partido sem ser escola de partido. Que posso dizer? Até onde minha
vista alcança, não consigo identificar nenhuma com essas características. O
fato das escolas abrigarem militantes políticos desse ou daquele partido, não
torna a escola uma instituição partidária. Até onde sabemos o registro de
professor não é negado a militantes partidários. Para se conquistar a condição
de ser professor é preciso obter um diploma de licenciatura emitido por uma
instituição regulamentada e fiscalizada pelo Estado. A militância política não
faz parte da avaliação e nem mesmo determina o registro profissional do
professor.
Considerando os termos desse desabafo, fica a seguinte
reflexão: escola sem partido enquanto uma proposta de política pública é uma
proposição inútil. Não existem escolar com partido e, portanto, não é possível
proibi-las.
Por outro lado, é possível identificarmos que o autor do
projeto de lei, não conhece bem a língua portuguesa. Ele queria proibir que o
professor professasse qualquer tipo de ideologia, mas não soube fazer um
projeto de lei que tivesse a consigna de “Professor sem Ideologia”, até porque
isso também é absolutamente inútil, pois um professor que não professe é
igualmente inútil afinal, é da profissão do professor o ato de professar e,
considerando que não há ser humano desprovido de ideologia e não há como o
professor despir-se de sua humanidade no momento em que ministra suas aulas,
proibir o professor de ser professor é ridículo.
Assim, fica o dilema também no seu sentido inverso: ser
contra a “escola sem partido” não pode se tornar um movimento a favor da
“escola com partido”. De fato, tal posicionamento nem mesmo deve constar do
estatuto jurídico de um país. Nos dias de hoje tem gente querendo tirar das
bibliotecas escolares os livros de Monteiro Lobato e de Gilberto Freire (entre
muitos outros) em nome de sei lá que valores sociais dos oprimidos. Da maneira
que a História cria suas ridicularias, vamos nos defrontando com os
descolonizadores do currículo ou dos proponentes de currículo sem ideologias.
Ambos se enganam em todos os sentidos. A única maneira de termos uma escola que
não flerte com qualquer tipo de fascismo é disponibilizarmos em suas
bibliotecas todos os autores, todas as ideologias e, da mesma maneira, garantirmos
que a condição primeira para se ser professor é possuir a capacidade de
professar uma posição da forma mais clara e contundente possível,
independentemente de qual seja.
Repetindo sob outros termos: é de fundamental importância que
as novas gerações estejam expostas aos fundamentos que identificam o existir da
sociedade contemporânea, e assim poderem identificar que pensares lhes servem,
o que consideram ridículo, que valores vão nortear suas vidas e assim por
diante. Nesses termos, também sou a favor de uma escola sem partido, isto é,
uma escola sem censura e, portanto, necessariamente laica.
Como desdobramento da proposição fica, ainda, uma segunda:
igualmente não me parece que as escolas confessionais ou que explicitem uma
certa maneira de, institucionalmente, pensar o mundo e a educação possa, de
fato ser censurada. Trata-se de tornar pública suas proposições e permitir que
pais e alunos escolham seus caminhos e, portanto, que partes dos entendimentos
do mundo serão suas. Para além de meus desejos de uma escola laica, fica a
exigência de um Estado Laico, capaz de colocar em evidência e garantir as
possibilidades de acesso de todos à cultura que nos identifica como
civilização.
Ainda, e para por um ponto final neste desabafo, um
comentário absolutamente tendencioso: tal como não encontramos seres humanos
sem ideologias, o mesmo podemos afirmar dos pensamentos que somos capazes de
produzir e que alguns, muito presunçosamente, chamam de ciência e que, por
professá-la, advogam uma neutralidade impossível em nome de representarem esse
ou aquele campo do conhecimento. Trata-se, de fato, de mais um mito que quer
justificar aprioristicamente os posicionamentos políticos que estão embutidos
no discurso científico que fazem. Aqueles que quiserem, no entanto, têm o
direito de acreditar nisso, mas não pode lhes ser dado a condição de, em nome
de tal neutralidade acuarem os que explicitam seus posicionamentos e confessam
suas fragilidades apontando para as novas gerações o fato de que elas não
precisam pedir permissão para pensar.
Essa escola possui um partido e sabemos muito bem.
ResponderExcluirEssa escola possui um partido e sabemos muito bem.
ResponderExcluirA ideia tem o apoio de muitos, mas, limpando os penduricalhos das nomenclaturas, o resumo é simples e claro: chama-se fascismo.
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