domingo, 14 de agosto de 2016

Argh! Lá vem de novo a Escola sem Partido

 


Abri a minha página de notícias na internet e me deparei com mais uma manifestação pública contra o projeto identificado pela consigna de “Escola sem Partido”. Que coisa mais irritante isso! Fazendo comentários com amigos, especulei que uma proposta como essa, há não muitos anos, nem mesmo seria digna de um sorriso insonso pois, de uma maneira ou de outra, não teria qualquer repercussão.
Nos nossos dias, no entanto, temos tornado tudo isso muito importante. Alguns manifestantes barulhentos conseguem retirar do plano municipal de educação as referências aos dilemas sociais associados às noções de gênero, outros saem às ruas pedindo o retorno dos militares, mais alguns se acham no direito de afirmar que uma atriz, pelo simples fato de defender suas ideias políticas se tornou uma prostituta (o que, a princípio, só pode ser um xingamento para alguém duplamente preconceituoso). E assim seguimos...
Bom... considerando o amplo conjunto de debates, artigos, manifestações e todos os tipos possíveis de protesto contra o projeto Escola sem Partido, tenho sérias dúvidas de que poderei afirmar algo de novo sobre o assunto. Escrevo, portanto, somente para “desopilar o fígado”.
Vejamos: se ainda podemos confiar nos fundamentos lógicos que envolvem a nossa língua, quero crer que a ideia de “Escola sem Partido” é uma proposição que procura proibir a “Escola com Partido”. Muito bem... fica claro, portanto, que não se trata de proibir as Escolas de Partidos, considerando que os partidos políticos (nem sei se todos), devem ter suas escolas para a formação de seus militantes, mas o projeto não faz referência a esse tipo de instituição.
Vale, então, fazer uma pergunta bem básica: existe Escola com Partido?
Creio que teremos de discutir o significado de Partido para que possamos construir algum tipo de resposta.
Vamos imaginar que estamos falando de uma escola católica. Considerando que por ser católica ela não pertence a nenhum grupamento de mórmons, anglicanos ou mesmo dos militantes da Igreja Universal do Reino de Deus, podemos afirmar que, mesmo no campo do cristianismo, as escolas católicas tomam um determinado partido, isto é, representam uma parte específica do pensamento, uma determinada cosmologia. O mesmo poderíamos afirmar de qualquer escola de qualquer outra profissão religiosa, seja cristã ou não. Assim, se pensarmos que nenhum grupamento religioso representa a totalidade da sociedade, todos são, a princípio, partes desse mesmo todo e, assim, poderíamos afirmar que uma escola cristã é partidária em relação a outra que professe o judaísmo ou o islamismo e assim por diante.
Acontece que, de qualquer maneira, o projeto também não faz referência às escolar religiosas. Na verdade, tem por alvo as escolas no plano de sua laicidade. O partido de que fala o projeto tem por objetivo identificar os partidos políticos que disputam a máquina de Estado, ou posicionamentos políticos de, de uma maneira ou de outra, incomodam o criador do projeto, isto é: o pensamento genericamente identificado como “de esquerda”.
Vamos então às escolas verificar se existe alguma que seja filiada a um partido sem ser escola de partido. Que posso dizer? Até onde minha vista alcança, não consigo identificar nenhuma com essas características. O fato das escolas abrigarem militantes políticos desse ou daquele partido, não torna a escola uma instituição partidária. Até onde sabemos o registro de professor não é negado a militantes partidários. Para se conquistar a condição de ser professor é preciso obter um diploma de licenciatura emitido por uma instituição regulamentada e fiscalizada pelo Estado. A militância política não faz parte da avaliação e nem mesmo determina o registro profissional do professor.
Considerando os termos desse desabafo, fica a seguinte reflexão: escola sem partido enquanto uma proposta de política pública é uma proposição inútil. Não existem escolar com partido e, portanto, não é possível proibi-las.
Por outro lado, é possível identificarmos que o autor do projeto de lei, não conhece bem a língua portuguesa. Ele queria proibir que o professor professasse qualquer tipo de ideologia, mas não soube fazer um projeto de lei que tivesse a consigna de “Professor sem Ideologia”, até porque isso também é absolutamente inútil, pois um professor que não professe é igualmente inútil afinal, é da profissão do professor o ato de professar e, considerando que não há ser humano desprovido de ideologia e não há como o professor despir-se de sua humanidade no momento em que ministra suas aulas, proibir o professor de ser professor é ridículo.
Assim, fica o dilema também no seu sentido inverso: ser contra a “escola sem partido” não pode se tornar um movimento a favor da “escola com partido”. De fato, tal posicionamento nem mesmo deve constar do estatuto jurídico de um país. Nos dias de hoje tem gente querendo tirar das bibliotecas escolares os livros de Monteiro Lobato e de Gilberto Freire (entre muitos outros) em nome de sei lá que valores sociais dos oprimidos. Da maneira que a História cria suas ridicularias, vamos nos defrontando com os descolonizadores do currículo ou dos proponentes de currículo sem ideologias. Ambos se enganam em todos os sentidos. A única maneira de termos uma escola que não flerte com qualquer tipo de fascismo é disponibilizarmos em suas bibliotecas todos os autores, todas as ideologias e, da mesma maneira, garantirmos que a condição primeira para se ser professor é possuir a capacidade de professar uma posição da forma mais clara e contundente possível, independentemente de qual seja.
Repetindo sob outros termos: é de fundamental importância que as novas gerações estejam expostas aos fundamentos que identificam o existir da sociedade contemporânea, e assim poderem identificar que pensares lhes servem, o que consideram ridículo, que valores vão nortear suas vidas e assim por diante. Nesses termos, também sou a favor de uma escola sem partido, isto é, uma escola sem censura e, portanto, necessariamente laica.
Como desdobramento da proposição fica, ainda, uma segunda: igualmente não me parece que as escolas confessionais ou que explicitem uma certa maneira de, institucionalmente, pensar o mundo e a educação possa, de fato ser censurada. Trata-se de tornar pública suas proposições e permitir que pais e alunos escolham seus caminhos e, portanto, que partes dos entendimentos do mundo serão suas. Para além de meus desejos de uma escola laica, fica a exigência de um Estado Laico, capaz de colocar em evidência e garantir as possibilidades de acesso de todos à cultura que nos identifica como civilização.
Ainda, e para por um ponto final neste desabafo, um comentário absolutamente tendencioso: tal como não encontramos seres humanos sem ideologias, o mesmo podemos afirmar dos pensamentos que somos capazes de produzir e que alguns, muito presunçosamente, chamam de ciência e que, por professá-la, advogam uma neutralidade impossível em nome de representarem esse ou aquele campo do conhecimento. Trata-se, de fato, de mais um mito que quer justificar aprioristicamente os posicionamentos políticos que estão embutidos no discurso científico que fazem. Aqueles que quiserem, no entanto, têm o direito de acreditar nisso, mas não pode lhes ser dado a condição de, em nome de tal neutralidade acuarem os que explicitam seus posicionamentos e confessam suas fragilidades apontando para as novas gerações o fato de que elas não precisam pedir permissão para pensar.


3 comentários:

  1. Essa escola possui um partido e sabemos muito bem.

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  2. Essa escola possui um partido e sabemos muito bem.

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  3. A ideia tem o apoio de muitos, mas, limpando os penduricalhos das nomenclaturas, o resumo é simples e claro: chama-se fascismo.

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