sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O impeachment, os senadores e a história.



Lenin, apesar de ter dedicado parte considerável de sua vida à militância política, ao que parece, considerava a escrita uma parte importante de suas atividades e, dentre os muitos textos que hoje temos acesso, alguns deles não passam de pequenos comentários que fez ao ler outros autores. Esses comentários, hoje conhecidos pelo nome de Cadernos Filosóficos, possui verdadeiras pérolas dos embates políticos do final do século XIX, início do XX. Vou evidenciar somente dois pequenos destaques feitos sobre as primeiras páginas da obra hegeliana “Curso de Filosofia da História”. Vejamos o realce: “La historia enseña ‘que los pueblos y los gobiernos de un pueblo jamás han aprendido nada de la historia; cada período es DEMASIADO INDIVIDUAL para isso’” e complementa com uma exclamação: “muy inteligente! “.
No parágrafo seguinte, ao continuar realçando o texto de Hegel, deixa sua marca indicando a necessidade de se prestar atenção: “Pero lo que la experiencia y la historia enseñan es esto: que los pueblos e los gobiernos jamás han aprendido nada de la historia, ni actuado de acuerdo con las lecciones que podrían haber extraído de ella. Cada período tiene circunstancias tan peculiares, es un estado de cosas tan singular, que sólo se lo debe e puede juzgar sobre la base de sí mismo. ” (op. cit: s/d pg. 289)
Feita essa pequena introdução, vem a pergunta: mas, o que é que essa reflexão de Hegel, complementada por um rápido e feliz comentário de Lenin, tem a ver com o título desse comentário? É que desde o inicio do processo de impedimento da Presidenta Dilma alguns comentaristas (vide, a título de exemplo: http://www.cartacapital.com.br/politica/impeachment-como-cada-senador-escrevera-o-seu-nome-na-História) têm alertado os políticos para o fato de que, apoiando o golpe, serão lembrados pela História como golpistas, oportunistas, associados direta ou indiretamente ao banditismo geral que assola o país e, por fim (tal como aconteceu com o famoso elevado que, em São Paulo, homenageava o golpista Costa e Silva e agora homenageia o golpeado João Goulart, independentemente do fato dos paulistanos continuarem chamando o elevado pelo ambíguo nome de minhocão, o que significa que tal mudança não fará grandes efeitos sobre a opinião pública) ver seu nome riscado de praças e ruas à medida que a conjuntura mude.
Fiquei imaginando que importância teria tal desenrolar dos fatos para os que, no futuro, serão chamados de golpistas se eles, no presente, estão se locupletando das benesses de serem co-partícipes desse processo. Fico imaginando se, na consciência dos maiores assassinos da História Contemporânea pairaria alguma dúvida em ordenar seus genocídios, por medo de serem lembrados pela História como os assassinos e genocidas que foram. Que dor de consciência será que dominava Goobels, Hitler,  Mussoline, Stalin, Hiroito, Idi Amin Dada, a família Bush ou, mesmo, Pinochet, Vidella, Médici e, ainda, mas de forma mais ridícula, Michel Temer e alguns ministros dos STF, além de Moro e Fernando Henrique Cardoso?
Desconheço solenemente a vida privada de todos os citados e, por isso mesmo, não sei dizer se algum dia e em que medida eles estudaram História. Fora FHC que, imagino, nos seus momentos de sociólogo, provavelmente teve de estudar algo nessa direção, o fato é que uma coisa é ler livros de História e outra, muito diferente, é fazer parte da História.
Votar a favor do impedimento é uma postura que, em si e para si, se auto justifica do ponto de vista de quem a executa. Lembro-me que, ainda muito jovem, li um texto que me chamou a atenção (pena que no momento não consigo me lembrar onde ele se encontra e, portanto, não possa citá-lo corretamente, nem mesmo o autor). Segundo me lembro nele se descreve uma situação aparentemente sui-generis: certa vez um senhor de escravos norte americano, passeando por Londres, achou por bem chicotear seu escravo numa praça pública. Preso e levado à presença de um Juiz, o norte americano mostrou-se absolutamente indignado e perguntou ao magistrado: mas que país democrático é este que um homem de bem não pode nem mesmo surrar seu escravo?
Não sei dizer até que ponto tais acontecimentos ocorreram ou não, mas, certamente, eles possuem o peso das lições deixadas por Esopo e suas fábulas.
Quando falamos das elites brasileiras estamos nos referindo, com algumas exceções, a grandes proprietários de terras e de seus descendentes, enraizados em uma tradição que se inicia com o exercício de se constituir como uma burguesia mercantil, enraizada nos limites da agro-exportação e sustentada pelo trabalho escravo. Nada, nesse sentido, muito diferente do indignado cidadão democrático americano. Quando não é assim, nos referimos a camponeses aburguesados que se tornaram grandes proprietários de terras, sendo que, especulativamente, alguns não se envergonham de reproduzir relações de trabalho muito semelhantes às da escravidão. Uns e outros, envolvidos no sistema rentista ou nas articulações que envolvem uma economia associada às commodities, comandam a maior parte do congresso brasileiro e, fortemente articulados, dizem representar o que eles mesmos chamam de interesse nacional.
O restante da elite política, associada de uma maneira ou de outra com perspectivas de esquerda (no amplo espectro que tal adjetivação possui), agrega, em parcelas significativas de seus militantes, uma formação política que, num primeiro momento, se fez na convivência direta com o “chão da fábrica” e foi se transformando em militância sindical.  Foi a partir desses passos que tornaram-se funcionários públicos de confiança e, nesse contexto, defensores do fortalecimento do capitalismo como fundamento de geração de emprego e renda e, sendo assim, a defesa do processo de exploração torna-se a condição primeira de defesa dos próprios trabalhadores. Hoje, enfraquecida por seus próprios erros (mesmo que cotidianamente culpem suas fragilidades ao mau-caratismo dos inimigos e tenham dificuldades em compreender que tais discursos não passam de pleonasmos), se debatem em torno de ficções como o Estado Democrático de Direito, a questão da legalidade, as tentativas tolas de provar que quem é culpado é o Juiz que os acusa.

Não adianta provar que Dilma é inocente (mesmo que fosse culpada, isso não levaria automaticamente a um processo como esse). Impedir o impedimento está associado a ter capacidade política para fazê-lo, e isso não tem qualquer tipo de relação (para além da retórica) com a culpabilidade ou inocência do réu. Dilma, pessoalmente, não é ré. O que está sendo julgado, num circo político ridículo, mas nem por isso com menos pompa e circunstância, é o próprio circo. Ele julga a si mesmo, e se utiliza do fato de que política é uma correlação de forças, para eliminar os fragilizados e, como mágicos incompetentes, serram a figurante corajosa, para depois lamentarem o acidente no festivo enterro do dia seguinte (como o fizeram com Getúlio). 
Volto aqui aos ensinamentos de Lenin (se continuar assim alguém vai pensar que sou comunista... rsrsrs). O título do pequeno livro é significativo: “Como Iludir o Povo” e é lá pelas páginas 20 e 21 que encontraremos a seguinte digressão: “Imaginem que bandidos cercam o vosso carro e vos ameaçam com o revólver. Imaginem que depois disto lhes entregais o vosso dinheiro e as vossas armas, deixando-os partir no vosso carro. Que aconteceu? Vocês deram aos bandidos armas e dinheiro. Isto é um fato. Imaginem agora que um outro cidadão lhes tenha dado armas e dinheiro para ficar com uma parte dos ataques destes bandidos contra cidadãos pacíficos.
(...)
Pergunto-vos: será possível encontrar alguém (...) incapaz de distinguir estes dois acordos? Responder-me-ão: Se realmente se puder encontrar uma tal pessoa, que não consegue distinguir entre uma e outra espécie de acordo (...). Dirão que tal pessoa só pode ser um cretino. “
Como se vê, e parodiando Ítalo Calvino (1993), é sempre bom consultar os clássicos, mesmo que por vezes se arriscando a usar somente o que ficou registrado na memória.

Obras citadas:
CALVINO, I. Por que ler os Clássicos. Trad. Nilson Moulin. Cia. Das Letras. São Paulo, 1993
LENIN, V. I. Cuadernos Filosóficos. Obras Completas, tomo XLII. México: Akal Editor, s/d.

LENIN, V.I. Como iludir o Povo com Slogans de Liberdade e Igualdade. Trad. Roberto Goldkorn. Global Editora. São Paulo. 1980

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