quarta-feira, 5 de abril de 2023

O MEU LUGAR DE FALA

Estou aqui, neste lugar, tentando imaginar de que lugar de fala eu falo… Confesso que se trata de uma tarefa quase impossível de resolver. Creio que meu lugar, no sentido que se pode inferir de uma proposição como esta, dependerá sempre do assunto que envolve minha fala e, por decorrência, que interesses tenho em proferir qualquer tipo de fala. Trata-se, portanto, de reconhecer que, como sujeito de uma fala, disputo em meio a tantas falas (e, utilizando da mesma proposição, de tantos lugares), sonantes e dissonantes, em relação às minhas. 

Quando, na contramão do que acabei de afirmar, acompanho o uso da expressão, parece que seus utilizadores têm o objetivo de, por alguma condição, pressupor que possuem uma autoridade que, por princípio, lhes foi dada pelo mesmo preconceito que querem combater. 

Muito bem… pensando um pouco mais, estou começando a compreender que esse tal de “lugar de fala” é uma espécie de reivindicação de um sujeito que só reconhece a si mesmo como aquele que possui a argumentação válida sobre um assunto. Trata-se, portanto, de uma espécie de “egocentricidade geográfica”. Não é, portanto, uma referência ao reconhecimento de que todo discurso possui uma geograficidade.

Como bem sabemos, nada impede que uma mulher profira um discurso machista, que um homem profira um radicalmente feminista, que um negro seja fascista e que um branco seja radicalmente antirracista. Todos, por princípio, possuem um “lugar de fala”, mas isso não os legitima aprioristicamente, nem os condena. O significado de um discurso está no próprio discurso e, enquanto tal, deve ser combatido, louvado, compreendido, debatido e assim por diante. A ideia de “lugar de fala” é mais uma consigna que quer eliminar o outro, independentemente de seus argumentos, trata-se de estigmatizá-lo porque ele não fala o mesmo que eu e, portanto, não fala do mesmo lugar que eu.

É mais um jogo de palavras que, como tantos outros, povoam a necessidade de se valorizar algo (a minha fala) para destruir outro algo (a fala daqueles de quem discordo). 

É preciso lembrar que Bolsonaro e suas derivações também reivindicam um lugar de fala, tal como Lula ou o antigo presidente da fundação Palmares.  Assim também o teve Karl Marx, Hitler, Stalin, Trump, Rosa de Luxemburgo, Ligia Fagundes Teles ou José Saramago... todos brancos, mas com olhares muito diferentes sobre a humanidade do humano. Da mesma maneira não era Martin Luther King mais ou menos negro que Idi Amin Dada ou Nelson Mandela. Ser Judeu, cristão ou muçulmano, mulher ou homem (em suas mais de 8 bilhões de sexualidades), negro, branco, pardo ou amarelo, ou qualquer outra identidade desse tipo, não torna nenhum ser humano culpado ou inocente por presunção. Falemos do que podemos falar e isso significa falar de nós mesmos e de como identificados a nossa relação com os outros, com o mundo, com a nossa alteridade seja ela o que seja, podendo, mesmo, ser a nossa própria pessoa. Sempre falamos a partir de nosso próprio olhar, mas nunca falamos exclusivamente sobre nós. Nós somos a possibilidade individual da vida coletiva, isto é, somos a nossa capacidade de subjetivar a objetividade do mundo e, com isso, nos objetivarmos no processo de existir desse mesmo mundo. Esse é o nosso lugar... se não pudermos falar sobre o outro o que nos restaria é o puro e simples silêncio, tal como restou a Hamlet. 

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